sábado, 19 de junho de 2010

Veterano com gás de novato

Com 46 anos de carreira, Tony Ramos se impõe como um dos grandes atores brasileiros – nas novelas e no cinema

Daryan Dornelles
PODEROSO TONY
O ator, na cidade cenográfica de Passione. Há quase cinco décadas ele vive heróis e vilões televisivos
É meio-dia de uma quarta-feira na Central Globo de Produções, o Projac, em Jacarepaguá. Na cidade cenográfica que simula ruas da região italiana da Toscana, com ladeiras e prédios com sacadas, gargalhadas tomam conta do ambiente. Protagonista da novela Passione, Tony Ramos é a alegria do set. De japona, cachecol e botas, brinca com colegas e conta piadas – sem se desconcentrar dos diálogos de seu personagem, Totó. Aos 46 anos de carreira, sempre à frente de grandes produções, o ator é um veterano que tem fôlego de principiante.

Tony completará 62 anos em 25 de agosto. Ele surpreende pela longevidade, não só de sua carreira, mas de seu posto de protagonista. Nos anos 70, na novela Pai herói, ele vivia um triângulo amoroso com as atrizes Glória Meneses e Elizabeth Savalla. Em Passione, três décadas depois, faz cenas românticas com Mariana Ximenes. “Não passa um ano sem que ele esteja na tela da TV”, diz o pesquisador Nilson Xavier, autor de Almanaque da telenovela brasileira.

O ator diz que jamais recusou um personagem. Sessentão, continua assim. No ano passado, a novela Caminho das Índias terminou em 14 de setembro. No dia 29 do mesmo mês ele já começava a treinar o sotaque da região da Toscana com uma professora para Passione, que estreou há dois meses. Nesse meio-tempo, gravou cerca de 150 cenas na Itália, em 52 locações, segundo sua conta. “Adoro fazer novela e ser um artista popular”, afirma. Como se não bastasse o sucesso na teledramaturgia, nos últimos anos esteve ainda nas maiores bilheterias nacionais do cinema: Se eu fosse você 1 e 2 e Chico Xavier, o filme. Mais que popular...

Tony também gosta de falar. Gesticulando como se não tivesse deixado o personagem italiano de lado, tem grande eloquência. Conta da paixão pelo cinema, desde que ia às matinês de domingo, com “2 cruzeiros amarelados na mão”. Orgulha-se de suas viagens pelo mundo e das línguas que, autodidata, aprendeu. Fala da rotina familiar e dos filhos que seguiram seus próprios caminhos – Rodrigo, médico, e Andréa, advogada. O ator tem dois netos: Henrique, de 10 anos, e Gabriela, de 6. “Sou um avô cuidadoso.” Tony é mesmo assim. Na primeira vez que o entrevistei, ao final me disse que não esquecesse meus óculos, que tinha deixado na mesa. Na segunda, depois de nos despedirmos, voltou atrás para saber se eu havia guardado meu gravador. Atencioso, como poucos artistas de seu quilate, ele faz questão de provar quanto é “comum”. Conta das obras que está fazendo num sítio, no interior de São Paulo. “O dono tem de ficar perto, ou a coisa não anda direito.” Aos domingos, acorda cedo para ver o Globo rural na TV. Não perde uma só corrida de Fórmula 1. Anda na esteira todas as manhãs para compensar a gulodice que nem sempre consegue driblar. “Sou naturalista”, diz. “Como naturalmente tudo!”

A fama de bom moço sempre o acompanhou. Seus heróis das novelas se misturaram, na cabeça do público, com sua história real. Tony jamais esteve envolvido em confusões ou mal-entendidos. O que não é fácil, num tempo em que os mínimos detalhes da vida privada dos famosos estão estampados nas capas de revista. Sempre apoia iniciativas sociais ou educacionais. Atualmente, é padrinho e garoto-propaganda da campanha Amigos da Escola. Tem um casamento sólido – com uma mulher que não é artista. Começou a namorar Lidiane em 1966, e estão juntos até hoje. Diz que tem sorte de ter se casado com uma mulher “libertária, segura”, que jamais teve ciúme das cenas românticas que ele faz, ano a ano, com as mais lindas atrizes do país.

Ficção e realidade engessaram sua imagem pública a ponto de estar sempre provando que pode mais. Por isso ele surpreendeu no papel dramático de Riobaldo, o jagunço da série Grande sertão: veredas, em 1985. O “galãzinho”, sujo de terra, se contorcia de culpa por achar que amava outro homem – Diadorim. Foi assim em 1985, quando ele quase matou o telespectador de rir em sua participação na série A comédia da vida privada – uma espécie de aperitivo para suas atuações recentes em Se eu fosse você como Cláudio, o homem que, da noite para o dia, se transforma na própria mulher (e pelo qual acaba de ganhar o prêmio de Melhor Ator no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro).


Bruno Gonzalez
PRAZER EM CENA
O ítalo-brasileiro Totó, de Passione, é um dos papéis pelos quais Tony Ramos se diz mais apaixonado

Em 2007, deixou o público com raiva ao fazer, após quatro décadas de carreira, seu primeiro vilão de novela em Belíssima. “Minha carreira tem vários movimentos. Tem sempre alguém me dizendo: ‘Que surpresa, você também sabe fazer isso’”, diz. Tony mostra paixão por seus personagens. Sugerir que ele enumerasse seus preferidos foi como pedir que ele passasse em revista todos os seus trabalhos. Para cada um, Tony dedicou uma frase especial e lembrou com quem contracenava. “Ele é uma unanimidade nada burra entre os colegas. Sempre pontual, com o texto decorado e bem-humorado. Não tem tempo ruim jamais”, afirma Aracy Balabanian, irmã do ator em Passione. Os dois contracenam desde a TV Tupi, nos anos 60.

Nascido em Arapongas, no Paraná, e criado no bairro da Vila Maria, em São Paulo, Antônio de Carvalho Barbosa (Ramos é o sobrenome de sua mãe) tinha 15 anos quando entrou para a televisão, em 1964, depois de ganhar o concurso de talentos Novos em Foco. Sua primeira novela foi A outra, da Tupi. A mãe, separada desde que ele era muito pequeno, que o criou com a avó, deu apoio. Com a ressalva: “Mas não quero filho burro”. Tony terminou os estudos básicos e foi além. Quase acabou a faculdade de filosofia na PUC. “Leio tudo o que vejo pela frente.” Gosta dos romances de Albert Camus e dos poemas de García Lorca. Está relendo Meu último suspiro, autobiografia do cineasta Luís Buñuel. A julgar por seus planos, Tony criou fama, mas, desafiando o ditado, não deitou na cama. Planeja escrever roteiros para o cinema e até dirigir ou produzir. “Pode ser que um dia eu vire executivo desse negócio. E me atrai a ideia de levantar o Boeing.”

Tony sabe que é um dos atores mais importantes do país. “Detesto falsa modéstia e humildade subserviente”, diz. “Mas faço de tudo para ficar à parte do mundo da fama. Celebridade para mim é Tom Jobim. É Shakespeare.” E confessa que, além de exímio contador de piadas, também ri das que contam a seu respeito, a maioria sobre seu corpo extremamente cabeludo. “Faço tudo com profissionalismo, mas não me levo a sério. Não me coloco em pedestal. Mas sou muito feliz com meus pelos, meu nariz adunco e minha barriguinha.” Quem há de negar?

Em constante evolução

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